sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Mistérios da objetividade


"Ao mesmo tempo em que subjetivamente se 'erra' (se vaga) pelos espaços em busca de algo, também se erra objetivamente, ou seja, os 'objetos' do pensamento nos escapam" .

Paulo Domenech Oneto - Doutor em Filosofia pela Universidade de Nice, França e Literatura Comparada pela Universidade da Georgia, EUA. Professor da ECO/UFRJ e palestrante do Ciência em Foco de 3 de dezembro.


1) Como começou a sua relação com o cinema?

Embora minha formação original seja em Economia (como Antonioni, aliás) - e somente depois eu tenha ido parar na filosofia, na literatura e na comunicação -, me tornei cinéfilo ainda muito jovem. Em meus tempos de faculdade, costumava inclusive matar as aulas chatas para ir ao cinema. Até uns 13-14 anos, via mais cinema narrativo ou de ação (escola norte-americana), mas logo fui experimentando outras coisas que exigiam mais reflexão e menos resposta rápida. Lembro em particular do relançamento de Encouraçado Potemkim, do Eisenstein, nos anos pós-abertura política (1980-81). Fiquei entusiasmado e tentei ver no então teatro Delfim uma mostra do cineasta, que acabou censurada. Foi nessa época que descobri o neo-realismo italiano, Antonioni (um belíssimo filme intitulado O Mistério de Oberwald em estreia), nouvelle vague, cinema novo etc.

2) Diversos filmes de Antonioni são notáveis por suas formas de provocação à objetividade, desconfiando dos nexos lógicos entre nosso pensamento, nossa observação e o mundo. Fotógrafos e repórteres - alguns dos personagens de seus filmes - são profissionais que evocam um certo olhar objetivo, exigido também pela ciência. De que modo a filosofia lida com este olhar, e como podemos pensar esta desconfiança?

Veja só: o Antonioni foi o 'meu primeiro cineasta favorito' (há sempre muitos favoritos) justamente por conta dessa questão. Me impressionavam muito os espaços abertos dos filmes do Antonioni, sempre contrastando com o enclausuramento psicológico dos personagens, que parecem procurar uma saída 'errando' naqueles ambientes. Ao meu ver, esta errância vai de par com a questão da objetividade que você levanta. E isto abre uma forte possibilidade de diálogo entre o cinema do Antonioni e a filosofia. Como assim? Ora, ao mesmo tempo em que subjetivamente se 'erra' (se vaga) pelos espaços em busca de algo, também se erra objetivamente, ou seja, os 'objetos' do pensamento nos escapam. Monta-se, então, uma crítica da objetividade como algo dado. É como se esta só pudesse se construir subjetivamente, movida pelo desejo de quem olha, examina, perscruta. Daí, por exemplo, o célebre final de Blow Up, que me marcou profundamente. O fotógrafo blasé da swinging London dos anos 1960 passa a 'ver' o jogo de tênis imaginário da trupe quando para de errar (no sentido de vagar). Ou então continua a errar, mas de outro modo...

3) Visto que nossa sociedade é cada vez mais marcada pela visualidade e pelo consumo de imagens, confundindo espectadores e produtores, como situar uma dimensão ética do olhar, ativada pelo personagem repórter de Jack Nicholson, em Profissão: repórter, que poderia ser estendida à nossa vida e à forma como nos relacionamos com o mundo?

Suas perguntas são bem difíceis, mas por isso mesmo interessantes. De fato, acho que um dos modos pelos quais podemos encarar nossa sociedade é como 'sociedade do espetáculo', à maneira de Guy Debord. As imagens parecem mediar todas as relações. E aqui mais uma vez vejo a importância decisiva do cinema de Antonioni. Pois há nele, certamente, uma ética do olhar. Tomo o exemplo do personagem Locke (Nicholson) que você menciona, mas também no caso do fotógrafo de Blow Up. Trata-se de sugerir um outro tipo de olhar que permita não aderir cegamente às imagens e aos valores a elas atrelados. É um questionamento fundamental do cinema de Antonioni, que foi muito bem visto novamente pelo filósofo Deleuze: como se desprender dos valores que nos impedem de viver, de crer na vida? A reinvenção de si passa por aí e é isto que parece impossível no caso dos dois personagens, presos em imagens, esvaziados de desejo.

4) O filósofo Michel Foucault fez uma associação provocativa entre a figura do filósofo e a do jornalista. A filosofia teria se ocupado, por muito tempo, de questões relacionadas ao eterno, ignorando o hoje, o presente. No lugar do eterno, defendendo a atenção aos problemas da atualidade, a ocupação do filósofo estaria antes voltada a uma espécie de jornalismo radical. Como você percebe a tensão entre os objetivos do jornalismo e o olhar filosófico sobre o cotidiano e o presente, aproveitando a alusão ao jornalismo no filme de Antonioni?


Mais uma pergunta de prova... (rss). Pra te responder seria necessário estabelecer uma outra distinção, não apenas entre o 'eterno' e o presente, mas entre dois modos de encarar o que chamamos 'presente'. Se Foucault fala em 'jornalismo radical', talvez seja justamente porque o presente tratado jornalisticamente acabe muitas vezes no nível dos fatos como autoevidentes, raramente questionando seu próprio modo veloz e sensacional de abordagem ou a pretensa relevância das atualidades selecionadas. Para Foucault o essencial parece ser o presente como aquilo que estamos sempre deixando de ser. Existe certamente uma linhagem em filosofia que não vê o 'eterno' como o que não tem começo ou fim, mas sim como outras possibilidades não vislumbradas em tudo o que vemos como fato consumado. Forçando uma aproximação com o filme de Antonioni, é como a cena do carro em que a personagem olha para trás e vê o que está ficando pra trás.

5) Como conhecer mais de suas produções?

Meu email pra contato é pgdomenechoneto@gmail.com

Minha ideia é começar a publicar aos poucos [coisas de cinema] no meu site da Escola de Comunicação da UFRJ, que está em construção (http://www.filosofia.paulooneto.eco.ufrj.br/). Já é possível dar uma olhada em textos que apareceram em revistas. É só ir na coluna 'publicações'.

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