terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O drama da objetividade, com Antonioni

No último sábado, tivemos o encerramento da temporada 2011 do Ciência em Foco. Como ao longo de todo o ano diversas sessões propuseram intensas discussões envolvendo a imagem, esta última sessão conseguiu fechar com chave de ouro nosso ciclo, com o professor Paulo Domenech Oneto, da ECO/UFRJ, oferecendo inúmeras portas de entrada para pensarmos questões a partir do filme Profissão: repórter, de Michelangelo Antonioni (diretor já conhecido do nosso público por conta da sessão de abril).  Dadas as diversas entradas que o filme permitia, Paulo optou por demarcar alguns pontos que, a partir da imagem, nos permitem pensar o sujeito e a identidade, diante de impasses que nos levam a refletir sobre o que está em jogo no olhar que se pretende objetivo.

No filme, que se apresenta como um falso filme de ação e de espionagem, a relação sujeito-objeto só aparece como uma impasse, como um problema, bastante marcado pela profissão do personagem - o trabalho do jornalista -, que nos traz imediatamente a ideia de objetividade. Ao buscar um olhar objetivo sobre os fatos e situações, o personagem David Locke (Jack Nicholson) parece se isolar de seu objeto, adotando uma postura de neutralidade que seria análoga à do cientista. A impossibilidade de engajamento resulta na angústia de Locke diante da realidade cotidiana - elemento comum nos personagens de Antonioni -,  não conseguindo se conectar com os outros e com o mundo. Deste modo, sua jornada se torna uma fuga de sua própria identidade, posteriormente convertendo-se na fuga decorrente das consequências da outra identidade que ele assume. Em meio às imagens de Antonioni, que descrevem sua jornada - uma fuga para encontrar a si mesmo -, o próprio olhar objetivo será colocado em crise.

Para comentar esta crise, Paulo salientou que o filme todo trata de uma questão em torno da natureza daquilo que se olha. Nós sempre olhamos o real através de uma lente, de maneira mediada. Eis o dilema da cobertura jornalística com a qual se ocupa o personagem: na pretensão de ser objetivo, os seus próprios objetos escapam, quando se anula a possibilidade de engajamento com aquilo que se olha. Antonioni estaria fazendo apelo a uma verdade ética, que não admite o isolamento da verdade para fora desta relação que se estabelece com o olhar e o desejo de quem olha. A objetividade só existiria, de fato, nesta relação.

Paulo comentou aproximações mitológicas com as figuras de Eros e Ícaro, apontando também vias de leitura do filme a partir de elementos do pensamento de Freud, Nietzsche e Marx, dada a ênfase que o filme atribui à questão do desejo, à crise dos valores e à alienação do personagem. Ao analisar o impressionante plano-sequência do final do filme, Paulo ainda nos mostrou de que modo Antonioni encena, com o olhar da câmera, o jogo entre subjetividade e objetividade para, enfim, mostrar sua inseparabilidade, a impossibilidade de um olhar objetivo existir sem a mediação do olhar subjetivo.

Na certeza do ensinamento de Antonioni, reafirmamos objetivamente a alegria que tivemos em recebê-los ao longo da temporada 2011. Nossa próxima sessão acontecerá no dia 3 de março de 2012, quando exibiremos o filme Entre os muros da escola (Entre les murs - França, 2008), de Laurent Cantet. Teremos a honra de receber como convidado do mês, para abrir a temporada 2012, Walter Kohan, doutor em Filosofia pela Univ. Iberoamericana, México, professor da Faculdade de Educação da UERJ, com a palestra Aprender e ensinar: exercícios de estrangeiridade. Até lá, sigam acompanhando o blog para mais notícias, informações e dicas. Que venha 2012.




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