quarta-feira, 6 de junho de 2012

Clima, política e subjetividade: (re)conectando a sociedade à natureza

No último sábado, o Ciência em Foco antecipou algumas questões que estarão em pauta devido à Rio+20, com a exibição do filme Árido Movie (2005), de Lírio Ferreira, seguido da palestra O clima em nossas histórias, e nossas histórias sobre o clima, ministrada pelo professor da ECO/UFRJ, Renzo Taddei. Sua fala partiu da relação que mantém o personagem do filme - um repórter do tempo que reside em uma grande cidade -, com sua terra natal, no sertão de Pernambuco. Acostumado a tratar de sua região a partir das nuvens digitais da previsão do tempo, o personagem precisa retornar ao nordeste para o enterro do pai. Seu retorno foi o motivo a partir do qual Renzo tratou das diferentes perspectivas em torno do clima, desenvolvendo aspectos culturais, políticos e econômicos associados à relação do homem com o meio ambiente. Apesar de não ser tão óbvia a conexão que o filme estabelece com questões ambientais e climáticas, Renzo marcou sua perspectiva por meio da relação entre o cinema e o meio ambiente. Para ele, o cinema não representa a vida, mas é parte da vida para quem o experimenta. Da mesma forma, a divisão entre a vida e as ideias é parte do problema ambiental que vivemos atualmente. Renzo procurou tratar, a partir do filme, sobre a desconexão entre vidas e ideias, e sua relação com a questão do clima e do meio ambiente. Em sua leitura, o personagem central, Jonas, vive de forma alienada sua relação com a família, e sua profissão fazia com que ele vivesse superficialmente uma relação com a natureza, por meio de suas referências distanciadas à atmosfera. Para Renzo, as pessoas se esquecem a todo momento de seu pertencimento à atmosfera, sendo levadas a crer que ela se constitui como aquilo a que o meteorologista ou o jornalista se referem. O próprio costume do condicionamento climático de ambientes se associa à vontade de evitarmos perceber os efeitos da atmosfera - como o frio ou o calor.

Acabamos reduzindo, portanto, nossa experiência da atmosfera à narrativa científica veiculada pela mídia. Porém, não há garantia de que a perspectiva científica da meteorologia seja a forma mais relevante, tendo em vista a diversidade de experiências das pessoas e da sociedade em geral com o meio ambiente. Ao lançar mão de indicadores e simulações por computador, a meteorologia elimina tudo o que não é redutível aos modelos matemáticos. Embora seu sistema possua uma eficácia e utilidade incontestáveis, a autoridade conferida às suas explicações nos levam a pensar que aquilo que realmente importa, em se tratanto do clima, está em algum lugar distante de nós. O que complica a crise ambiental é o fato de nos sentirmos alienados com relação ao clima, como o personagem Jonas. A maneira como as pessoas se relacionam com o meio ambiente é muito diferente, nas diversas regiões do Brasil. A ciência, no entanto, tende a partir do pressuposto de que existe uma realidade imutável e universal, não importanto os contextos particulares, que passam a ser desvalorizados. Renzo mencionou, como exemplo, sua pesquisa com Profetas da Chuva do sertão, que são agricultores capazes de fazer previsões de chuvas, tendo em vista sua vivência e o conhecimento da tradição. Quando os profetas fazem alguma declaração para a imprensa, os meteorologistas se sentem questionados em sua autoridade.

Com o Renascimento e a crescente predominância do discurso científico, as explicações de fenômenos atmosféricos passam a não se associar às narrativas morais e religiosas, associadas ao castigo e à punição. Se o clima passa a ser explicado de forma independente da vida das pessoas, é possível situar, após alguns séculos, a produção do cenário neurótico de nossa relação com o clima atual: sentimos culpa por nosso estilo de vida, prejudicial ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que não temos nenhuma ideia do que fazer. O filme mostra dois modos de lidar com essa crise, quando a crença na ciência parece abalada: uma delas é a via escapista, evocada pelo trio de personagens que se utilizam de drogas e álcool. A outra via, que pode ser lida nas entrelinhas do filme, propõe um reequilíbrio a partir do reconhecimento de nossa ignorância com relação a certos acontecimentos. No mundo ocidental, há uma tendência a se buscar certezas conclusivas antes de partir, de fato, para a ação. Na realidade do clima atual, a complicação política encara o dilema da necessidade de uma tornada de decisões previamente às certezas. Discussões sobre sustentabilidade, economia verde, e outras que movimentarão a Rio+20, estão ancoradas em maneiras de pensar a realidade de modo distanciado, situando a natureza como algo que está desconectado de nós.

Os discursos oficiais e diplomáticos parecem não levar tanto esses fatores em conta, quando a preocupação maior parece ser a manutenção dos anseios gerados com o mundo capitalista, diante do qual as pessoas se apresentam constantemente insatisfeitas, induzidas a não se conectarem com nada. Há que se colocar em pauta elementos para se pensar essa insatisfação crônica e sua teia complexa, que envolve o mercado e a publicidade - discussão sem a qual não se resolve nenhuma crise ambiental. A partir da alegoria dessa jornada de reconexão com o mundo, o filme nos aponta uma solução possível para os problemas ambientais da atualidade: a reconstrução de novas formas de vida advindas da mudança de subjetividade, da maneira pela qual nos relacionamos com a natureza, de modo a não tomá-la como algo separado da sociedade. Em Árido Movie, a experiência de reconexão se dá pela visceralização da experiência de Jonas, após o contato com a lição de Zé Elétrico, personagem que afirma haver no mundo coisas que nós não entendemos, além daquelas que entendemos.

Tivemos um movimentado debate, ao longo do qual se refletiram anseios e perspectivas diante da atual comoção em torno do meio ambiente. Agradecemos novamente o apoio da APILRJ (Associação de Profissionais Intérpretes de Libras do Rio de Janeiro). Continuaremos a discussão em torno de questões sociais envolvendo a ciência em nossa próxima sessão, que acontece no dia 7 de julho, quando exibiremos o filme O informante (The insider - E.U.A., 1999), de Michael Mann. Teremos a honra de receber, após o filme, nosso convidado do mês, Kenneth Camargo, pós-doutor pela Univ. McGill, Canadá, doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ (IMS/UERJ), onde é professor. Ele é editor associado do American Journal of Public Health, editor da revista Physis e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Ciência e Medicina (UERJ-CNPq). Ele apresentará a palestra A distorção deliberada do conhecimento científico. Fique ligado no blog para maiores informações, e anote na agenda. Até lá!


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