quarta-feira, 27 de junho de 2012

Erros científicos


"Em meio ao bombardeio de informações que recebemos, como estabelecer o que é confiável ou não, e, sobretudo, como identificar as tentativas de manipulação a serviço de interesses poderosos, em especial econômicos? Essa, na verdade, é uma pergunta que me faço todos os dias...", Kenneth Camargo – Professor do IMS-UERJ, editor associado do American Journal of Public Health, editor da revista Physis, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Ciência e Medicina (UERJ-CNPq) e palestrante do Ciência em Foco de julho 2012.

1) O filme O informante trata de um episódio envolvendo um produtor de TV que luta para trazer a público informações reunidas por um cientista que atuava para uma grade empresa de tabaco. Ao tomar conhecimento de decisões pouco éticas de sua empresa, o cientista se vê num perigoso conflito que pode colocar em risco sua vida. Esta sua posição arriscada diria algo a respeito da imagem do cientista hoje, no mundo globalizado? Podemos dizer que a associação da ciência com as empresas e o mercado é um fenômeno recente?

A chamada "big science" começa com pesado investimento governamental, tanto na Europa quanto nos EUA, mas a partir do pós-segunda guerra mundial o investimento privado começa a ter relevância em alguns setores, como por exemplo a indústria farmacêutica. Nesse sentido, não é novo. O que talvez seja novo é que, com os processos de redução da atuação do Estado, em especial da desregulamentação de vários setores, esse movimento se aprofunda e as corporações ganham cada vez mais poder.

Quanto à imagem do cientista, vejo na mídia a mesma ambiguidade que se vê com relação à ciência, algo que o escritor de ficção científica Isaac Asimov chamou de "complexo de Frankenstein", indicando uma concepção de ciência poderosa, mas que pode estar tanto a serviço do "bem" quanto do "mal". Coisas como a bomba atômica, contaminação ambiental por diversos produtos e processos industriais, retirada de determinados medicamentos do mercado reforçam a percepção negativa. A existência de cientistas que efetivamente abdicaram de princípios éticos em prol de sua conta bancária alimentam essa percepção e levam ao comprometimento da credibilidade da própria ciência... 

2) Em que sentido a relevância e a legitimidade atribuídas ao discurso científico atualmente, propagadas pela mídia e disseminadas no senso comum, contribuem para a manutenção de valores, hierarquias e formas específicas de relação com o mundo? Sempre foi assim? Que consequências e implicações políticas podem ser daí projetadas?

Acredito que há uma ambiguidade fundamental; apresentar algo como "científico" pode ao mesmo tempo afirmar seu valor de verdade e de ameaça. "Sempre" é uma palavra complicada... Nem sempre existiu ciência. O que acho possível afirmar é que esse padrão vem pelo menos do final da década de 50, se não antes, e as novas tecnologias de comunicação contribuem para a rápida difusão de conceitos e ideias de toda ordem. Assim, tem sido possível ao mesmo tempo afirmar alguma coisa como confiável por ser científica quando não é o caso, como minar a cientificidade de algo estabelecido (como foi historicamente a estratégia da indústria do tabaco). 

 3) Ao nos situar, a partir da ficcionalização do real, em um mundo no qual a ciência se mostra a serviço de interesses particulares, quais seriam os elementos necessários (e os possíveis obstáculos) para se pensar uma ética ligada à produção de conhecimento hoje?

Acho que a principal dificuldade está na mercantilização do próprio conhecimento. Este se torna mercadoria, em várias formas, e o estabelecimento de uma postura ética nesse contexto está vinculada, a meu ver, a iniciativas de tornar o conhecimento livre e acessível. Iniciativas como o acesso aberto a artigos científicos, o software livre e aberto e mesmo como a Wikipedia (em que pesem os problemas da mesma) são o antídoto para o controle privado do conhecimento.

4) Roteiros alternativos - espaço dedicado à sugestão de links, textos, vídeos, referências diversas de outros autores/pesquisadores que possam contribuir com a discussão. Para encerrar essa sessão, transcreva, se quiser, uma fala de um pensador que o inspire e/ou seu trabalho.

 Antecipando o material que pretendo apresentar no debate, tenho citado com frequência uma observação de dois sociólogos da ciência, Harry Collins e Trevor Pinch, que escreveram um livro especificamente com uma abordagem crítica da medicina, e lá pelo final dizem o seguinte (tradução minha): “A ciência pode estar errada (…), mas isso não torna a visão oposta correta. Na ausência de pesquisa cuidadosa sobre a visão oposta, a ciência é provavelmente a melhor aposta. Isso é ainda mais provável se a ciência estiver continuamente sob escrutínio.”

Colins H & Pinch T. Dr. Golem: How To Think About Medicine. Chicago: The University of Chicago Press, 2005, p. 202.

5) Gostaria de lançar aos que acompanham nosso cineclube uma pergunta-síntese provocativa acerca da problemática de queira tratar em sua palestra?

Em meio ao bombardeio de informações que recebemos, como estabelecer o que é confiável ou não, e, sobretudo, como identificar as tentativas de manipulação a serviço de interesses poderosos, em especial econômicos? Essa, na verdade, é uma pergunta que me faço todos os dias...

6) Como conhecer mais de suas produções?

Como todo pesquisador brasileiro, tudo o que publico acaba sendo listado no meu currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3585073727110885

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